Durante algumas lutas que enfrentei na vida, procurei desesperado por um refúgio, mas nos que encontrei não me sentia seguro, por vezes fui encontrado e golpeado até ser paralisado pela dor que consumia cada pedaço de razão e fé que havia dentro de mim. Mas após incessante fuga e procura, encontrei um refúgio onde até hoje me escondo quando o mundo do lado de fora está em meio ao caos. Nesse refúgio me sinto completamente seguro, mas principalmente, me sinto livre do eu que não sou, livre do eu que sou para os outros, me sinto liberto ao ponto de deixar cair lágrimas de arrependimento, de dor, de saudade, de amor.
Nesse refúgio as palavras são como espelhos que vou pendurando à minha volta, de modo que consigo me ver de todos os ângulos, um espelho reflete a imagem de outro espelho, de forma que não há parte de mim que consiga se esconder, assim, posso enxergar com clareza minha própria alma. Nesse refúgio confesso ao silêncio meus medos, meus sonhos, minhas frustrações e esperanças, aqui, me sinto seguro para me despir da armadura que antes me protegia do ataque de todos à minha volta, armadura forjada nas chamas da mentira.
Meus momentos nesse refúgio podem ser descritos como verdadeiros, aqui só existe eu, eu mesmo, minha verdade, aqui deixo minha mente vagar, mesmo sendo um lugar apertado ela consegue ir longe, e formula diversas interrogações que ela mesma se ocupa de responder. Não respostas prontas, não aquelas respostas que escondem a dor que está por dentro, repostas que tentam evitar um novo questionamento. Quando estou nesse refúgio não me furto a dor de responder diversas perguntas que me flagelariam se fossem arquitetadas por outra mente, perguntas que só poderiam ser feitas por mim e por mim respondidas. Já que não há alguém que possa olhar além da armadura. E mesmo que de alguma forma não esperada pessoas consigam transpor a barreira por mim construída, talvez nos momentos em que olham em meus olhos, e vêem minha alma presa clamando para quem está de fora libertá-la, instintivamente fecho os olhos e como um carcereiro arrasto a verdade para trancafiá-la em uma cela que só eu tenho a chave. Poderia considerar esse refúgio como um refrigério à verdade aprisionada em mim, o momento que ela tem para esticar as pernas, sentir o sol na pele, e bater um papo com o seu melhor amigo, o silêncio.
Há pessoas que escolheram por oferecer liberdade à verdade, é um grande risco que se corre, pois ela é demasiadamente frágil, e quando atacada tende a voltar rapidamente ao cativeiro, e cada vez que transfigurada retorna ao cativeiro, retirá-la de lá se torna uma tarefa cada vez mais árdua, até o ponto que não há mais meios neste mundo para fazê-la sair do fundo da cela. Quando pessoas se encontram em tal ponto é fácil de reconhecer, só olhar no fundo dos olhos, e verão que o brilho que antes cegava quem olhava não existe mais, o sorriso que antes curava qualquer mal, tal como a verdade, se encontra trancafiado por lábios secos e amargos.
Creio que cerrar as grades que prendem a verdade não é um caminho fácil de percorrer, mas tem sua recompensa, a leveza no andar, a clareza nas palavras, o sorriso sem inveja ou orgulho, a alma sem mácula, tudo está ali diante dos olhos de quem vê, não há nada mais por trás de quem chora ou sorri, é simples, toda a verdade está ali.
Admito que vivo de modo diverso, sei que este não é o melhor caminho, mas é o que sigo, talvez não vivo o extremo de esconder a todo instante a verdade. Às vezes me observo leve, translúcido, mas são raros esses momentos, sinceramente gosto de dialogar com minha mente, e junto a ela calcular o risco de cada novo passo, e com isso já demonstrei a existência de alguém que não pode ser visto por olhos que não sejam os meus. Assim ofereço aos outros apenas resultados aritméticos meticulosamente calculados, que dependendo do risco do novo passo, trazem em si nenhuma verdade, às vezes parte dela, mas confesso que, raramente a verdade.